Ferros | Escaladas, cachoeiras e gente boa | Rio Caminhadas.com.br

Ferros | Escaladas, cachoeiras e gente boa

Fotos: Karla Paiva e Claudney Neves

Gosto muito de conhecer novos lugares para escalar. Em Minas já viajei para alguns, mas poucos são tão especiais quanto Ferros.

Soube da existência de escaladas no Vale do Roncador há alguns anos, através da divulgação do guia do local, pelo Tonico Magalhães e Pedro Bugim. Dá para baixá-lo clicando aqui.

Karla e eu pretendíamos viajar para lá no final de 2013, não foi uma boa escolha. As chuvas que caíram na região sudeste alagaram muitas cidades e nos fizeram adiar nossa ida. Passaram-se alguns meses até resolvermos colocar o destino novamente no topo da lista de lugares a conhecer. Isso aconteceu em setembro de 2014.

Entrei em contato com o Gustavo Carrozino (Xaxá), do Clube Excursionista Mineiro (CEM), que postou alguns vídeos sobre as escalada no lugar, e com o Bugim. Através deles consegui algumas dicas e o contato do Tonico, que foi extremamente atencioso, nos abrindo as portas de sua fazenda.

24 Set 2014 – Quarta-feira

Colocamos as tralhas no carro e saímos do Rio de Janeiro às 9h da manhã, preparados para acampar em Ferros. A ideia era dá uma passada em Belo Horizonte e tomar um café com um casal de escaladores amigos nossos, Claudinha e Klauss. Colocamos o destino no GPS e chegamos na capital mineira após seis horas de viagem, através de uma paisagem bem seca e com grandes áreas desmatadas.

O café rendeu, e depois de muita conversa e uma ajuda de nossa mão-de-obra barata para a limpeza no jardim do casal, resolvemos não recusar o convite de dormir por lá e continuar a viagem no dia seguinte. Queríamos evitar o risco de chegar em Ferros à noite, já que não conhecíamos nada da região.

O dia foi embora, a noite chegou e nosso sono atrasado foi posto em dia.

25 Set 2014 – Quinta-feira

O sol acordou com vontade de trabalhar e nós de continuar a viagem. Tomamos café, nos despedimos do casal e partimos às 9h da manhã.

O guia explica bem como chegar, mas ficamos em dúvida em alguns locais. Marcamos o trajeto que fizemos no GPS, que pode ser baixado clicando aqui.

Estacionamos às 12h20 na fazenda e encontramos o Carlos, um dos funcionários que trabalham por ali. O caseiro chama-se Vicente e apareceu logo depois. Conversamos sobre onde acampar e estrutura de banheiro. Para nossa surpresa ele disse que poderíamos ficar na casa principal da fazenda e foi buscar a chave, o que demorou bastante. Nesse meio tempo aproveitamos para tirar algumas fotos e fazer o reconhecimento do Vale do Roncador, onde ficam as vias. É meio confuso de início identificar os setores, mas com um pouco mais de atenção conseguimos nos localizar.

O sol nasce do lado esquerdo do vale, o que deixa a parede nessa direção na sombra pela manhã. No meio do dia é calor brabo nos dois lados, nesse horário você escolhe entre banho de rio ou cachoeira. Mas lá pelas 15h a parede da direita fica na sombra, chegando a hora de voltar para escalar novamente.

Voltamos para a fazenda no final da tarde, Vicente ainda não tinha chegado do resgate da chave. Preparamos nosso jantar no quintal e quando Karla já estava sem esperança, pensando em armar a barraca, a bendita chave apareceu. Deixamos a barraca guardada e abrimos os sacos de dormir sobre as camas =)

A noite caiu regada a vinho e se espalhou macia até a sexta.

26 Set 2014 – Sexta-feira

Acordei cedo, deixei Karla aproveitando um pouco mais do sono e fui fotografar um tema pelo qual me tornei obsessivo: aves!

Durante nossa estadia foram 27 espécies clicadas e outras tantas perdidas. Ao todo, devo ter visto mais de 40. Isso se repetiu durante toda nossa estadia, mas houve um preço… As margens do rio que passa no fundo da fazenda, onde fotografei a grande maioria, é terreno fértil em micuins, segundo Vicente, devido às capivaras, que frequentam o lugar. A cada dia brotava um, ou mais, do meu corpo. Karla se divertia nessa caça, o que rendeu até nome de via… =)

Depois da sessão de fotos, tomamos café e partimos para o vale. Da fazenda até lá são cerca de 1,5 Km pela estrada, descendo o rio. Nossa primeira via foi uma bonita linha com algumas passadas mais delicadas e veios de rocha horizontais, a Balzac, que já estava namorando desde o dia anterior. Rapelamos já com o sol começando a castigar, nos refrescamos no córrego que passa no meio do vale e quando o sol baixou fomos procurar a Ferro Velho, que fica na parede da direita, onde chegava a sombra. Pegamos a entrada errada e chegamos em outro setor, aproveitamos e subimos a Jeca Tatu, via bem interessante e com a grampeação um pouco mais espaçada que a Balzac, contando com buracos, aderência e tendo o crux logo no início.

Descemos junto com o sol e deixamos o equipamento no vale, já que retornaríamos no dia seguinte. Karla se arrependeu disso…

A trilha de volta terminou em nosso festival particular de cogumelos, o menu da noite teve o tipo Paris, depois do shimeji da noite anterior.

Antes do sono chegar aprendemos um pouco mais sobre fotos de longa exposição, tentando capturar o céu estrelado, que nos levou para cama em mais uma noite tranquila, onde só se ouvia grilos e sapos.

27 Set 2014 – Sábado

Nessa manhã acordamos na hora que o olho abriu. Aproveitamos para fazer algumas fotos e, como já era tarde, mergulho no rio e banho de cachoeira.

Lá pelas 14h fomos para o Vale, que ainda estava completamente no sol. Esperamos um pouco e entramos na Cordão do Bola Preta, uma via sensacional, com a primeira enfiada bem interessante e a segunda com boas proteções móveis, com um final em aderência. O croqui mostra três enfiadas, fizemos em duas. Quando Karla foi subir viu uma coisa estranha no cadarço da sua sapatilha… Lembram que havíamos deixado o equipamento no vale?! Pois bem, algum bicho roeu as sapatilhas e a mochila da menina, que ficou desconfiada e pensou em não subir. Mas no final mudou de ideia e me acompanhou. Iniciamos o rapel pela própria via e emendamos na do lado, o que foi bem rápido.

A tarde já estava indo embora quando resolvi entrar na Psicopata de Ferros, que tem uma aderência inicial trabalhosa 😀 Depois dos 3 primeiros grampos a via fica mais tranquila. Já estava começando a escurecer quando errei a linha e entrei em um fenda estreita onde não havia nada, percebi que ali estava estranho e fui para a esquerda, encontrando o traçado original. Esse erro foi muito bem-vindo, pois no dia seguinte as fendas estreitas, onde não havia nada conquistado, renderam uma boa diversão.

Como já estava escuro e Karla não quis subir, escalei uns 50m e rapelei. Voltamos para a fazenda já com a noite cobrindo tudo. Mais um vez, deixei meus equipamentos no vale, Karla não…

Nessa noite vimos quanta diferença há entre cogumelos frescos, como os dos dois dias anteriores, e o industrializados. Esses últimos não têm a mínima graça e não fizeram muita diferença em nosso macarrão com legumes.

Um bom vinho lavou o que sobrou da noite, quando o sono chegou.

28 Set 2014 – Domingo

Passava pouco das 6h quando pulei da cama e resolvi sair para fotografar. O madrugar foi recompensado com uma das melhores fotos da viagem, onde flagrei um pica-pau enchendo o papo com algumas larvas (postei lá em cima).

Quando o sol subiu um pouco mais, chamei Karla para o café, foi quando Vicente apareceu para nos entregar uma prova dos doces que sua esposa, mais conhecida como Boneca, fazia. Recomendo a compra, são maravilhosos!

Depois de um rápida conversa com o Vicente, seguimos mais uma vez para o vale. Recuperei meu equipamento, sem nenhuma parte roída, e entrei novamente na Psicopata de Ferros, com a intenção de entrar nas fissuras da direita, que descobri por acaso no dia anterior.

Dessa brincadeira nasceu a Variante Caçadora de Micuim, que liga a Psicopata de Ferros à Frio na Barriga, seguindo um sistema de finas fissuras, bem protegidas por friends e nuts pequenos e micros.

Depois de subir o bloco que fica após o terceiro grampo da Psicopata, siga para a direita na óbvia fissura horizontal, que sobe mais a frente e bifurca em outras duas até atingir o grampo da Frio na Barriga, de onde é possível rapelar.

Dessa vez Karla subiu para limpar a via e nossa criação ficou com 35m, como grau sugerido um 3º. Talvez seja mais fácil, é preciso mais repetições para confirmar isso. Clique no imagem abaixo para baixar o croqui em PDF, enquanto ainda não é incluído no guia oficial.

Missão cumprida. Partimos para outra.

Fomos procurar a Social Club, que segundo o guia é uma das vias mais recomendadas da região. Não conseguimos confirmar isso, pois erramos e entramos na Expo CERJ! Um E4, que talvez seja E3.

Até o final ficamos em dúvida se aquela não seria mesmo a Social Club, mas quando chegamos à última parada ficou bem óbvio que havíamos subido outra via, pois há mais uma chegando à esquerda dessa, a Coração Valente.

Descemos já com o sol castigando. Fomos procurar uma sombra na beira do riacho para lanchar. Mesmo nublado estava bem quente.

Depois do descanso, Karla desanimou da saideira, mas fez minha segurança na Fissurim. São quase 20m de uma fenda frontal totalmente protegida em móvel. A saída em agarras possui grampos. Recomendo!

Nesse dia voltamos cedo do vale e decidimos lagartear o resto da tarde na praia do rio, entre um mergulho e outro. É nesses momentos que penso em largar a cidade e morar no meio do mato pelo resto da vida.

A tarde se arrastou preguiçosa no paraíso… Ficamos por ali até começar a escurecer e voltamos aos afazeres domésticos. Nessa noite o menu tinha Maria Isabel, ou arroz carreteiro, como é mais conhecido.

A cama nos chamou cedo, atendemos ao pedido.

29 Set 2014 – Segunda-feira

Em nosso último dia acordamos cedo para escalar pela manhã e partir para o Rio de Janeiro ainda com luz do sol. Após as tapiocas do café da manhã, entramos mais uma vez no vale para procurar a Ferro Velho, e mais uma vez não encontramos… Mas já que estávamos naquele setor, olhei para a CDF e gostei. Começa com uma fenda diagonal com delicadas proteções móveis e depois segue em grampos com uma ou outra colocação de peças no restante. Os grampos ficam bem espaçados no final, mas nada muito sinistro 😀 A maior dificuldade foi encontrar a linha da via em alguns momentos, essa merecia um croqui. Gostamos bastante!

Quando descemos o sol já começou a mostrar que também já havia acordado. Procuramos uma via curta e achei a El Bigodon, uma esportivinha deliciosa, com proteções móveis no início e dois domínios bem interessantes. É realmente imperdível, como diz o guia. Essa foi nossa saideira.

Na volta paramos na cachoeira que estava ali se oferecendo, não resistimos. A vontade era de ficar por muito mais tempo, mas ainda havia muita estrada para rodar. Voltamos para a fazenda. O resto do jantar serviu como almoço. Limpamos tudo, colocamos as tralhas no carro e passamos na casa do Vicente e Boneca para levar alguns doces para o Rio. Parada obrigatória =).

Nos despedimos, agradecemos pela receptividade maravilhosa de todos e pegamos a estrada. Fizemos, mais uma vez, a parada tática em Belo Horizonte e no dia seguinte estávamos de volta à realidade do Rio de Janeiro.

Como falei no início, Ferros é um desses lugares especiais para se escalar. A mistura de ótimas vias, rio, cachoeira e gente boa é imperdível. Mesmo sem conhecer pessoalmente, o Tonico foi sempre muito solícito e nos fez sentir à vontade em sua fazenda. Vicente, desde que chegamos, nos tratou como velhos conhecidos e insistiu para que voltássemos mais vezes. Conversamos pouco com Boneca, mas seus doces também pediram nossa volta 😀

A nossa conquista foi a 147ª via do lugar, que ainda tem muito potencial para novas. O vale é muito democrático, com vias de todos os graus e para vários gostos. De agarras a aderências, passando por fendas, buracos e abaulados há diversão para todos, não importando seu nível. A diversão é garantida! 😉 Vale cada quilômetro rodado até lá! 

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